15.10.17

Afrodite

Bom dia a todos. Venho me apresentar. Tenho 28 anos e meu único relacionamento acabou há 6 anos. Eu sei o que vocês estão pensando. Mas eu não vou falar da liquidez dos relacionamentos aqui ou da indisponibilidade emocional da minha geração. Até onde sei, todo mundo anda emocionalmente disponível até demais. Só não pra mim.

O que vocês não sabem é que tenho um poder cósmico dados pelos deuses. Eu instigo o amor em todos ao meu redor. Basta demonstrar um mínimo de interesse por elas. Se eu me interessar por alguém, se ela não já estiver num relacionamento sério há muitos anos, ela automaticamente engata um namoro com uma pessoa bem mais bonita e interessante que eu. E eu acabo até mesmo feliz pelo casal.

Aos 28 anos às vezes eu acho que não sobrou ninguém pra mim. Que vou ter que raspar as sobras e catar os caquinhos de outras pessoas. Só queria ter os cacos de alguém pra poder catar. Minha psicóloga diz que isso é sintoma da minha própria indisponibilidade emocional. Meu mapa astral diz que é meu karma. Eu mesma já acho que é meu poder, minha maldição.

– Viu? – Afrodite me dizia, tirando os longos cabelos anelados de cima dos ombros – Não queria ajudar as pessoas? Olha só você espalhando amor.

No começo ainda tentei flertar. A moça era linda, simpática e eu tinha certeza que estava dando bola pra mim. Semana seguinte ouvi de amigos de amigos que ela tava saindo com alguém. Comprei chá quente e livros pra me distrair.

Marquei encontros com moças que me diziam logo de cara que estavam saindo com outras pessoas. Decorei a casa com as flores que gostava pra trazer bons presságios.

Me encantava com as pessoas, tinha certeza que elas estavam me retribuindo, mas as redes sociais denunciavam casais apaixonados. Passei a comer só o que eu realmente gostava.

Perguntei pra Afrodite novamente quando seria minha vez. Ela sorriu, do meu lado, soprou as cartas do meu baralho mitológico pra que espalhassem todos sobre o chão. Entendi o que ela quis dizer. O que era meu era só o amor próprio. O amor dos outros estava reservado mesmo só pros outros. Comprei brinquedos eróticos de todas as velocidades e espumas de banheira só pra mim.

Atualmente estou com quatro gatos e a certeza de que realmente não sou propriedade de ninguém. Quando vejo alguém que me afeiçoa, abençoo de longe, desejando que tenha uma vida feliz, cheia de tesão.

Ontem Afrodite encostou no meu ombro enquanto eu andava pela rua pensando no próximo livro. Veio soprar no meu ouvido pra ficar esperta. Olha quem vem lá.

– Caba a boca, Afrodite, caralho. Me deixa trabalhar.
Quando acabamos, desejei que ele nunca mais fosse feliz. O que eu não sabia é que tinha outra pessoa planejando o meu fim. Passei 7 anos procurando a felicidade e não encontrei. Becos sem saídas, amores pela metade, homens de uma noite só. Como eu poderia saber? Amores viciados, parceiros perdidos, gente que me levou à perdição. Eu deveria ter sabido. Eu tinha visto as velas e os santinhos pela casa. A. tinha me dito que ela ia no terreiro de vez em quando. Como eu poderia saber? Foi uma galinha preta, umas velas e um barbante amarrando tudo ao meu nome. Esperei 7 anos a mandinga da minha ex-sogra passar. Mal sabia ela que o feitiço tinha sido a melhor coisa que me aconteceu. 7 anos em relacionamentos de merda só me tornaram mais próxima de mim.