1.4.16

Agora toda vez que faço movimentos bruscos, minha espuma cai um pouquinho e me sinto cada vez mais vazio. Não bastasse minha pelúcia que está imunda desde o dia que cheguei aqui. Aquele menino…

Primeiro foram meus botõezinhos, um em cima do outro, costurados à mão na minha barriguinha, arrancados brutalmente por uma pinça roubada da gaveta do banheiro da Mãe. Depois fui sujeito às mais abjetas formas de experimentação. Fui usado como bola, atirado por cima de muros, até fui amarrado ao rabo de Cachorro e arrastado por todo o quintal. Coisas a que um urso da minha estirpe jamais deveria ser submetido.

Minha última tortura, a retirada dos meus braços, foi especialmente cruel. Depois de um dia inteiro deixado na chuva, fui novamente submetido à maldade do Cachorro. Dotado de um sadismo ímpar, decidiu comer meus bracinhos e usá-lo para me jogar para lá e para cá. Fiquei todo furado, com espuma que formavam dedos. Estava começando a me acostumar com minha nova forma desfigurada, quando Ele decidiu que gostaria de me mutilar mais uma vez.

– É muito grave, enfermeira! – ouvi-o dizer, enquanto me cegava com uma lanterna – Teremos que amputá-lo!

Um monstro! Já ouço seus passos se aproximando para me torturar novamente. Me jogo nas profundezas mais escuras debaixo da cama para que Ele não possa me encontrar. Ouço-o circundando minha fortaleza aos poucos. Sua respiração está cada vez mais próxima. Ouço-o chamar meu nome. Fique calmo, coração!, ele vai te ouvir!

Vejo seus pés e chinelos através da cortina do lençol. Ele para. Sabe onde estou. Vejo joelhos e mãos. Na mão direita vejo o terrível objeto do terror brilhante à luz das lâmpadas incandescentes do quarto. O objeto que assola meus pesadelos, que congela minhas entranhas, que me provoca taquicardia. A terrível tesoura sem ponta. A mesma responsável pela minha bruta amputação!

Então eu entendo, sem que ele precise dizer ou fazer qualquer outra ação, exatamente a espécie de horror que pretende dessa vez. Meus pés congelam, sinto náuseas.

Meu Deus, meus olhinhos! Não meus olhinhos!

Ele sabe onde estou. Ele está chegando. Está chegando! Talvez se eu fechar os olhos na vã esperança de protegê-los. Se ao menos eu tivesse pálpebras que prolongassem minha agonia!

Um comentário:

Camila Faria disse...

Ai, coitadinho Deborah! Maravilhoso o texto! :)