15.10.08

Cruz, Morte e Dor



Tinha medo da cruz. Ela o perseguia em todas as suas formas. Cruzes egípcias, católicas, celtas, de malta. Estavam em todos os lugares. Simplesmente apareciam. Não sabia o significado de muitas delas, mas davam a impressão de morte. Elas em geral remetiam a homens de braços abertos. Normalmente braços abertos são receptivos e calorosos. Mas as cruzes-homens-palito eram raquíticos e metiam medo. Ser abraçado por um esqueleto, afinal, não deve ser uma experiência das mais agradáveis.

Esqueletos eram gelados. Poderia pensar em milhões de características para esqueletos. Brancos, magros, calcários, básicos. Mas eram gelados. Principalmente gelados. O frio dava medo. Já havia se acostumado com frio e gosmento – como a lama, as algas, possivelmente o fogo era gosmento. Mas o frio duro era intrigante. Pedras, senão expostas ao sol, são frias e duras. E sem vida. O frio e duro remetia à falta de vida. E isso assustava. A falta de vida.

A morte era um conceito que o fascinava. Fazia listas e listas das maneiras mais fáceis, mais absurdas, mais indolores, mais glamourosas, mais ridículas, mais dolorosas de morrer. Chegou à conclusão de que queria morrer atingido por um machado na vértebra que o fazia morrer instantaneamente sem dor alguma – como faziam os judeus ortodoxos com suas vacas e cabras de abate. Morrer dormindo já ficou sem graça. Todo mundo quer morrer dormindo.

A morte em si não era um problema. Depois de morrer, tudo estaria acabado. Seria inútil pensar em tudo que poderia ter feito e vivido e realizado. Na pessoa que poderia ter sido.

Seu problema era a dor.

Nunca lidara bem com a dor. Nunca. Não gostava de formigas, abelhas ou vespas porque suas picadas doíam. Não gostava de se esforçar demais – correr demais, até mesmo escrever demais – porque doía. Gostava de pensar. Porque pensar não doía. Não sempre.

O problema da morte é que, quase certamente, a morte doeria. E não seria nem um pouco gratificante que a última coisa que se sentisse fosse algo tão desagradável quanto a dor. O próprio susto e o desespero de morrer já causavam dor. Mesmo que não fosse dor física.

Ele sabia que haviam pessoas que gostavam de sentir dor. Fazia-as sentirem-se vivas, sentirem que estavam sentindo alguma coisa. Mas não. A dor é essencialmente ruim. Incomoda. Não deixa trabalhar direito. Isso fazia com que pensasse que as pessoas que gostavam de sentir dor não eram muito ocupadas.

A dor remetia à morte. A morte remetia à cruz. Tinha medo da cruz, portanto, porque a dor não possui nenhum símbolo universal.

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