19.8.05

- Onde você está me levando? - riu Mariana.

O garoto apenas virou a cabeça, sorriu e continuou correndo entre as sepulturas. Era uma noite agradável e o cemitério era o lugar ideal de o casal encontrar-se, quase ninguém mais ia lá. Os dois gostavam do escuro, de filmes de terror, de sangue de mentira e de rock pesado. Sentiam-se paradoxalmente bem no ambiente lúgubre. Mas nunca haviam ido tão longe. As únicas luzes presentes eram de suas lanternas.

Jorge parou abruptamente, enquanto Mariana alcançava-no. Apontou em frente:

- Olhe - ele disse, com voz doce, como se mostrasse um fenômeno natural a uma criança.

- Nossa! - suspirou, mais por falta de ar da corrida - Que lindo!

À sua frente estava um mausoléu. A construção mais majestosa de todo o cimitério, com anjos e gárgulas e arcos góticos. Era coisa de família, certamente, dos condes da antiga cidade.

- Quer entrar? - perguntou Jorge, docemente, como que oferece balas à criança.

- Quero.

Juntos, se completavam, mas Mariana não sabia quase nada dele. Se conheciam há pouco tempo e ele era muito enigmático.

Adentraram a tumba.

- Antes de mais nada, Mari, queria dizer que te amo.

- Que isso? Pensa que vamos morrer?

Jorge deu-lhe um sorriso misterioso, que a namorada não conseguiu traduzir como nada.

O lado de dentro era ainda mais bonito que o lado de fora. Havia velas desgastadas sobre candelabros muito esculpidos com formas arredondadas e detalhes marcantes. Existia um número enorme de túmulos, a família era numerosa.

Jorge pôs as mãos nos ombros de Mariana, massageando-a por trás. Elas estavam frias. Jorge sempre estava frio. Ele puxou-a para perto de si, beijou seu pescoço:

- Veja os nomes. É por isso que viemos ao cimitério.

Ela andou aos poucos, observando as datas esculpidas nas lápides, os nomes curiosos, o brasão imponente da família, as fotografias envelhecidas.

- Estranho como a família acabou. Robesberrie. Nome bonito.

- Coisas boas sempre acabam cedo demais. Estavam começando a enriquecer, a ganhar poder, a espalhar-se, como dá pra perceber. Havia 50 Robesberrie na nobreza naquela época. Foram todos envenenados.

- Por invejosos?

- Sim.

Jorge estava afastado, sua voz grave, diferente de como estava nos momentos anteriores.

- Lenda urbana? - a garota perguntou curiosa. O outro fez que sim com um gesto discreto da cabeça - Nunca ouvi.

- Os habitantes desta cidade não fazem idéia dos tesouros que guarda. Como você.

Mariana corou. Olhou rapidamente para uma sepultura qualquer.

- Olha! "Jorge Robesberrie"! Como você.

Jorge sorriu atrás dela e aproximou-se alguns passos.

- Ele naceu em 1850 e morreu em 1868. Nossa, não sabia que nossa cidadezinha era tão velha.

- Era grandiosa. Dizem que a cidade morreu junto aos Robesberrie.

- Uhh... - fez Mari, divertindo-se - "A Maldição dos Robesberrie". Nome de filme B.

Jorge aproximou-se mais.

- Ele tinha só 18 anos. Tadinho, tão novinho... Nossa idade - pausou um pouco - Imagina morrer agora?

- Imagina... - o garoto andava lentamente, passando pelos sepulcros, criando caminhozinhos entre o pó com seus dedos.

- Ele tem o mesmo aniversário que você também.

Parou por um instante. Eram muitas semelhanças. Pousou os olhos sobre a gravura. Soltou um gritinho, derrubou a lanterna e levou a mão à boca. Era Jorge!

Mari sentiu as mãos geladas em seu quadril, sob a blusa e subindo lentamente seu braço. Ela tremeu. Fechando os olhos, tentando desvendar o que eram aquelas sensações, pensou consigo: "mortos-vivos só existem em filmes de terror"

- Descobriu agora? - sussurou Jorge ao ouvido da garota estática, sua mão no cabelo dela, puxando-a pela nuca para si.

A garota abriu os olhos.

- O que você quwer comigo? - perguntou, trêmula.

- Você. Para sempre.

- Não!

- Você não me ama mais?

- Claro que não! Você está morto!

- Oh... - soltou uma rizada doce e fria ao mesmo tempo - Você deve estar ficando louca então, falando com os mortos.

Mari não sabia o que responder, de repente tudo estava muito confuso. Uma mistura de volúpia e terror tomava conta dela. Queria fugir. E ao mesmo tempo ficar. Conseguiu somente pousar sua mão sobre a de Jorge, que subia lentamente sua fronte.

- Tudo bem - disse, enfim - Onde vamos?

- O quê? - perguntou Jorge, realmente parecendo perplexo e soltando seu cabelo.

- Onde vamos? - repetiu Mari, mais firmemente desta vez - Você não vai me levar para o submundo ou lago assim? Não vamos rodar o mundo, como imortais?

- Não! Vamos ficar aqui!

- Vamos? Que sem graça.

- É - Jorge virou a garota para que se olhassem de frente - Eu adoro essa cidade. Só queria que você soubesse.

- Ah - a garota parecia aborrecida, mas logo iluminou-se de novo - E eu tenho um namorado morto-vivo!

Jorge sorriu.

- Agora posso te contar tudo!

Mari riu também.

- Mas vamos sair daqui, que eu quero ver o sol nascer com você.

Lá fora não precisavam mais das lanternas, por causa dos novos raios da aurora. O casal beijou-se longamente, sob o azul pálido que cobria o céu estrelado de outrora.
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Não é dos meus melhores trabalhos, mas é bonitinho. Aposto que você nunca esperava esse final!! É, eu fiquei com preguiça mesmo...

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